Milhões de catalães -- incluindo os seus mais próximos aliados políticos - esperavam que Carles Puigdemont declarasse hoje unilateralmente a independência da região, com efeitos imediatos e práticos, dando seguimento à vitória do "sim" no referendo de 01 de outubro, considerado ilegal pela justiça espanhola.

Por outro lado, milhões de outros catalães e demais espanhóis esperavam que Puigdemont renunciasse à independência -- uma exigência do governo de Madrid - e convocasse eleições regionais antecipadas -- uma sugestão do principal partido da oposição, o PSOE.

Numa declaração que era esperada com grande expectativa, Puigdemont não fez nem uma coisa nem outra. No decorrer de uma alocução de cerca de 25 minutos, em catalão mas com partes em espanhol, disse que assume o "mandato do povo" para que a Catalunha seja um "Estado independente, sob a forma de República".

A frase foi recebida com um aplauso no hemiciclo regional e nas ruas de Barcelona -- cheias com milhares de independentistas que se preparavam para celebrar o "dia histórico" anunciado nas redes sociais.

Mas, ato contínuo, Puigdemont referiu que ele próprio e o seu governo propunham que o parlamento suspendesse os efeitos da declaração de independência" para empreender "um diálogo [com o governo em Madrid] sem o qual é impossível alcançar uma solução acordada".

A ausência de uma declaração de independência clara e a suspensão dos efeitos motivou uma reação forte de um dos principais aliados do governo regional, o partido de extrema-esquerda CUP (Candidatura de Unidade Popular), que sustenta a maioria parlamentar.

"Acreditávamos que hoje era dia de proclamar solenemente a República catalã, e talvez, dizemos talvez, tenhamos perdido uma oportunidade histórica", disse no parlamento a deputada da CUP Anna Gabriel.

"Esta proclamação solene da República não chegou, e nós soubemo-lo uma hora antes de começar o plenário, e por isso não podemos aceitar esta suspensão" dos efeitos, realçou.

Antes da intervenção de Anna Gabriel, já a Arran - uma organização juvenil da CUP - tinha afirmado que os catalães estavam "a assistir a uma traição inadmissível" por parte de Carles Puigdemont.

Nas reações, o governo espanhol considerava inadmissível "fazer uma declaração de independência implícita para de imediato deixá-la em suspenso de forma explícita".

Mas o PSOE, pela voz do líder parlamentar na Catalunha Miquel Iceta, fez outra leitura: "não pode suspender uma declaração (de independência) que não fez". Por isso mesmo insistiu com Puigdemont para que convoque eleições antecipadas.

Nas ruas em torno do Parlamento, milhares de cidadãos desmobilizaram após a sessão plenária, muitos alegres com o que ouviram. Vídeos colocados 'online' pela imprensa de Madrid traziam outras imagens: vaias a Puigdemont e avenidas vazias minutos depois do anúncio de suspensão dos efeitos.

Face às dúvidas e à brecha aberta com a CUP, surgiu uma nova iniciativa: uma declaração assinada pelos deputados independentistas.

Assim, os 72 deputados independentistas -- os 62 da Junts pel Sí e os 10 da CUP - assinaram um documento no qual se "constitui a República da Catalunha" como "Estado independente e soberano".

Intitulado "Declaração dos Representantes da Catalunha", o documento indica que a "Catalunha restaura hoje a sua plena soberania, perdida e largamente sonhada, depois de décadas a tentar honestamente e lealmente a convivência institucional com os povos da península ibérica".

"Constituímos a república catalã como Estado independente e soberano, de direito, democrático e social", salienta a declaração, que não refere grupos parlamentares nem tem o timbre ou cabeçalho do parlamento regional.

Os signatários também incluíram na declaração um apelo "aos Estados e às organizações internacionais para que reconheçam a República catalã como Estado independente e soberano".

O jornal El Mundo, de Madrid, refere que o documento - cuja leitura à margem do plenário e já após o fim da sessão foi aplaudida pelos deputados independentistas - carece de valor legal.

O Governo em Madrid realiza na quarta-feira um conselho de ministros extraordinário para analisar os mais recentes desenvolvimentos da crise política na Catalunha.

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