A Assembleia da República vai debater hoje vários projetos de lei apresentados pelo PS, que conta com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, do PCP e de "Os Verdes", incluindo a redução da sobretaxa em 2016 e o fim dos cortes salariais da Função Pública ao longo do próximo ano.

Contactado pela Lusa, o fiscalista Rui Duarte Morais, que presidiu a comissão de reforma do IRS em 2014, adverte que "mexer sistematicamente na lei dos impostos quebra a confiança", o que "é péssimo para a economia [e] é péssimo para a confiança".

No mesmo sentido, o advogado Rogério Fernandes Ferreira entende que há um risco de se criar "instabilidade fiscal" ao estar sucessivamente a "fazer ziguezagues" nas políticas relativas aos impostos.

Vasco Valdez, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, diz que a redução da sobretaxa para metade em 2016 ao mesmo tempo que se revertem os cortes salariais é uma medida que "evidentemente comporta riscos".

Quanto à redução da sobretaxa de IRS para aos 1,75%, o fiscalista Rogério Fernandes Ferreira disse à Lusa que a medida em si "é uma aberração" por ser "um IRS número dois" quando a Constituição esclarece que o imposto deve ser único e, por isso, considera "bem à partida que se elimine a sobretaxa".

No entanto diz que "parece desaconselhável que se esteja de novo a mexer nos próprios escalões do IRS, criando mais uma vez uma enorme instabilidade fiscal e uma enorme incerteza".

Também Vasco Valdez recorda que "toda a gente estava de acordo em fazer-se a eliminação da sobretaxa", alertando que "isso terá de ser medido no sentido de saber qual é a possibilidade que existe para realizar essas medidas".

Rui Duarte Morais avalia a medida "positivamente, porquanto o IRS atingiu níveis verdadeiramente insuportáveis", mas diz que "a grande questão é saber se [isso] é compatível com os compromissos internacionais em termos de equilíbrio orçamental", sobretudo se se tratar de medidas "não acompanhadas de equivalentes medidas de redução de despesa".

Olhando para outras medidas inscritas no programa de Governo do PS, verifica-se que os socialistas pretendem reduzir o IVA da restauração para os 13%, alterar os escalões do IRS, criar um imposto sucessório para as grandes fortunas e manter a taxa do IRC nos 21%, contrariando a trajetória de descida prevista aquando da reforma deste imposto, feita em 2013.

Quanto à redução do IVA da restauração, Rogério Fernandes Ferreira afirma que "isso não vai ajudar o setor", uma vez que tanto as empresas como os contribuintes "já assimilaram a nova taxa de imposto e, como já foi admitido pelo próprio setor, a descida da taxa para os 13% não vai implicar nenhuma descida de preços".

Para o fiscalista, trata-se, "mais uma vez, de um ziguezague numa medida que se cria num ano e que se desfaz no ano seguinte", sendo por isso "uma medida que gera instabilidade e que é desacertada".

"Gostaria que houvesse mais arrojo nestas matérias. O que seria difícil de propor era diminuir a taxa normal em dois ou três pontos percentuais, gerando o mesmo nível de receita e tornando a taxa do IVA numa taxa única. Isto é que seria difícil de fazer e se calhar a receita não mudaria muito", defendeu o fiscalista.

Quanto ao IRC, sobre o qual o programa do PS define a sua manutenção e não uma descida como acordado aquando da reforma do imposto, Fernandes Ferreira diz que, "a partir do momento em que se anunciou que a taxa ia ser mexida e que os mercados externos estão a par desta trajetória, é inadequado haver outra vez um ziguezague".

Relativamente ao imposto sucessório, proposto pelo PS para taxar as grandes fortunas, o fiscalista da RFF Advogados entende que "a receita de um futuro imposto sucessório pode até fazer algum sentido", mas alerta para a possibilidade de deslocação destes rendimentos.

No que se refere à intenção do PS de aumentar a progressividade do IRS através do aumento do número de escalões, Rui Duarte Morais afirma que, se - como o PS propõe - se vão "criar deduções fixas, eliminando as deduções variáveis e eventualmente eliminando o quociente familiar, isso só por si vai representar um aumento brutal da progressividade do imposto".

De acordo com professor, isto deverá "incidir sobre um grupo muito pequenino de contribuintes que não são os ricos, são os professores, os médicos, os advogados, os técnicos", alertando para o risco de se "atingir uma proletarização dessa classe".

Para Morais Duarte, isto é "completamente desaconselhável", por um lado, porque comporta "conflitos sociais evidentes" e, por outro, porque "os muito ricos, que são titulares de rendimentos de capitais, estão fora disto, [uma vez que] pagam necessariamente imposto a taxas fixas, se não o dinheiro desloca-se para outras paragens".

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