Se fosse um dia normal, a praça dos Combatentes, situada às portas do famoso mercado de Xiquelene, na periferia de Maputo, apresentaria um aglomerado de pessoas dispostas a vender e comprar produtos variados, num clima de desordem e imundice, mas que é sustento de muitas famílias pobres dos bairros da Polana Caniço, Ferroviário e Costa do Sol.

Contra o habitual, hoje, um dos dias previstos para as manifestações, convocadas em mensagens anónimas nas redes sociais, os principais centros comerciais tinham poucos comerciantes e compradores e, desde bem cedo, as ruas começaram a ser percorridas por blindados da Unidade da Intervenção Rápida (força antimotim).

"Nós estamos com medo, nunca vimos tanta polícia espalhada por aqui", diz à Lusa Pedro Chimile, um cambista que vive no bairro Ferroviário, arredores da praça dos Combatentes.

Pedro Chimile conta que chegou por volta das 05:30 (04:30 de Lisboa) e um carro da polícia, com mais de dez agentes da Unidade da Intervenção Rápida, já estava estrategicamente estacionado no local, num ponto bem visível.

O receio de um motim, à semelhança dos que ocorreram em 2008 e 2010, associado à forte presença policial, fez com que muitos comerciantes do mercado não abrissem os seus estabelecimentos, deixando Xiquelene, nas primeiras horas do dia, às moscas, à semelhança de outros pontos da capital, que mantinha a serenidade típica de um domingo.

Leandra Altina, uma cliente do mercado, afirma à Lusa que ouviu que hoje era "o tal dia da manifestação" e, "para evitar problemas", preferiu ficar em casa, limitando-se a ir ao mercado para comprar o básico para o almoço.

"Proibi os meus filhos de irem à escola, mesmo sabendo que era dia de avaliações", declara a cliente, enquanto compra um saco de batatas no mercado, acrescentando que, "quando o tumulto começa, as coisas ficam quentes", em alusão a incidentes anteriores, de 2008 e 2010, que deixaram uma rasto de destruição e vários mortos nas confrontações com a polícia.

Tal como os filhos de Leandra Altina, vários estudantes de instituições de ensino médio e superior faltaram hoje às aulas devido ao receio de manifestações, num momento em que decorem as avaliações no ensino geral.

"Além de colegas, houve casos de docentes nossos que também faltaram as aulas", explica à Lusa Wilson Enoque, estudante da 9.ª classe na Escola Armando Emílio Guebuza.

No Instituto Superior de Contabilidade e Auditoria, localizado no coração da capital, apenas 30% dos alunos esteve presente, numa situação descrita à Lusa pela diretora-geral adjunta da instituição, Carla Moina, como atípica.

Do outro lado da cidade, no famoso mercado de Xipamanine, a situação era similar e Henriques Firmino, um jovem carregador de sacos, explica à Lusa que as pessoas querem manifestar-se mas o "medo de levar chambocos [bastonadas] e balas" é maior do que a revolta.

"Estamos endividados por coisas que não estão claras e, ainda por cima, somos ameaçados quando queremos manifestar-nos", diz Firmino, sentado numa pedra no meio da praça, a escassos metros de um carro da polícia parado desde as primeiras horas do dia num lugar de destaque do mercado de Xipamanine.

Os rumores de uma eventual manifestação afetaram também os transportadores semicoletivos, que preferiram, na sua maioria, ficar em casa para evitar problemas nas primeiras horas do dia.

Hamilton João, motorista da rota que liga Xipamanine à praça dos Combatentes, diz à Lusa que só saiu por "falta de opção" e muitos dos seus colegas preferiram não se fazer às ruas.

"Estamos todos com medo e, na maioria, sem saber exatamente o que está a acontecer", afirma o motorista, enquanto arranca rumo à praça dos Combatentes, concluindo que "quem vai pagar a dívida são os mais pobres, os que hoje estão a ser ameaçados".

A dívida pública de Moçambique é agora de 11,66 mil milhões de dólares, dos quais 9,89 mil milhões são dívida externa, agravada pela recente revelação de empréstimos de 1,4 mil milhões de dólares, garantidos em 2013 pelo Estado e fora das contas públicas.

Este valor representa mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) e traduz uma escalada de endividamento desde 2012, quando a percentagem se fixava em 42%.

EYAC // VM

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